Advogado Rodrigo Badaró diz
que não há sentido em ter o imóvel em seu nome sem poder tomar posse
O Superior Tribunal de
Justiça (STJ) decidiu que os imóveis de inadimplentes podem ser recuperados
pelo credor antes da realização de leilões extrajudiciais. Em uma das primeiras
decisões nesse sentido, a Corte entendeu que nos contratos de alienação
fiduciária - em que o próprio imóvel é dado como garantia do pagamento - não há
necessidade de esperar a venda do bem para pedir a reintegração de posse. O
entendimento foi unânime entre os ministros da 3ª Turma.
Para a relatora do caso,
ministra Nancy Andrighi, nos casos de inadimplência, o destino do bem deve ser
econômico. "A permanência daquele que promoveu esbulho no imóvel não
atende a essa destinação", disse, no acórdão. Até então, o Judiciário
tinha posição favorável aos devedores. Ou seja, o bem só poderia ser recuperado
d epois de leiloado.
Na prática, a decisão
significa que o tempo para retomar a posse do bem poderá ser reduzido, assim
como os riscos da concessão de crédito imobiliário e dos juros dos
financiamentos. "O impacto sobre as operações financeiras é interessante.
Para reduzir juros, os bancos mostram a necessidade de ter no mercado
mecanismos mais ágeis para recuperação do crédito", diz Fábio Braga, sócio
da área bancária do Demarest & Almeida Advogados. Além disso, com o imóvel
desocupado, afirmam advogados, seria mais fácil leiloar o bem com preços
próximos ao valor de mercado.
O STJ analisou o tema a
partir do recurso de um mutuário de Brasília contra decisão do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), que havia negado seu pedido para impedir
que a Via Empreendimentos Imobiliários retomasse a posse do bem. Inadimplente
por 14 meses, o mutuário foi notificado para pagar a dívida. Sem receber, a
construtora iniciou o procedimento previsto na Lei do Sistema de Financiamento
Imobiliário (Lei nº 9.514, de 1997) para retomar o bem. Primeiramente,
registrou em cartório a propriedade do imóvel. A fase seguinte seria realizar
os dois leilões extrajudiciais. Entretanto, em novembro de 2008, o mutuário
obteve decisão judicial para suspender a hasta pública. A empresa entrou,
então, com uma ação para adiantar a reintegração de posse.
Na decisão, os ministros
entenderam que uma vez quebrado o contrato de compra e venda, o bem seria do
credor. Ou seja, a posse do imóvel seria decorrente da quitação do
financiamento. Segundo advogados, a interpretação é importante, pois a Lei do
Sistema de Financiamento Imobiliário não é clara sobre a possibilidade de
retomar a posse antes dos leilões. "Não há sentido ter o imóvel em seu
nome sem poder tomar posse", diz o advogado da construtora, Rodrigo
Badaró, do Azevedo Sette Advogados. Segundo o professor de processo civil da
USP, Paulo Henrique Lucon, o artigo 23 da lei garante ao credor a posse in
direta do imóvel durante o financiamento. "Basta ter a inadimplência para
recuperá-lo plenamente", afirma.
Os advogados que representam
os mutuários, no entanto, defendem que há diferença entre os contratos de
compra e venda e o de garantia do imóvel. Para eles, somente a partir do leilão
a dívida poderia ser quitada. Com o débito extinto, o credor poderia pedir a
reintegração de posse. "Sem a posse do imóvel, o cliente fica impossibilitado
de discutir o valor da dívida", diz o especialista em direito imobiliário,
Marcelo Tapai, do Tapai Advogados. "A interpretação abriu um precedente
tenebroso", afirma Leandro Pacífico, advogado da Associação Brasileira dos
Mutuários da Habitação (ABMH).
As incorporadoras e bancos,
entretanto, consideram a interpretação acertada. A diretora-executiva do
departamento jurídico da incorporadora Brookfield, Denise Goulart, diz que a
decisão abre espaço para a reintegração ser solicitada quando for constatada a
inadimplência. Ainda assim, afirma que a empresa continuará conservadora.
"Não sei se temos condições de contar com esse precedente na primeira
instância", diz. Segundo Ana Carolina de Souza Medina, gerente da área
jurídica da Gafisa, o contrato firmado com o cliente deve deixar claro que ele
terá a posse somente após a quitação do imóvel ou da obtenção de financiamento
do saldo devedor.
A Caixa Econômica Federal
também considerou a decisão acertada, mas afirmou que não haverá impacto sobre
a taxa de juros dos financiamentos. "A Caixa já precificava seus produtos
considerando um cenário semelhante ao da decisão do STJ", diz a
instituição. Em nota, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito
Imobiliário e Poupança (Abecip) informou que a decisão é importante para manter
o volume de financiamentos de longo prazo a taxas adequadas.
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