Luz natural e contato com o
exterior se sobrepõem à falta de privacidade
Grandes janelas retomam um
ponto de vista modernista que fez investigações sobre conforto ambiental
O arquiteto Michel Gorski em
seu apartamento em Pinheiros, na zona oeste de SP
Nada vale a pena se a janela
é pequena. Com essa prosaica paródia de um verso do poeta português Fernando
Pessoa (1888-1935), o arquiteto Michel Gorski faz reviver um antigo dogma da
arquitetura internacional: janela boa é janela grande.
Em 1990, o sócio do
escritório Barbieri & Gorski Arquitetos aplicou esse lema ao projeto do
edifício onde mora, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
Exatamente no momento em que
janelões pareciam ter perdido força no mercado, ele desenhou apartamentos em
que, na sala e nos quartos, as vidraças iam do chão ao teto.
Vinte anos depois, a
teimosia de alguns arquitetos que jogam no mesmo time de Gorski trouxe esse
fetiche de volta à cidade. Não são mais apenas apartamentos antigos de
Higienópolis e dos Jardins que oferecem vista farta.
Prédios com assinaturas
ferozes -o novo 360º, na Lapa, projetado por Isay Weinfeld, é um exemplo- e
mesmo empreendimentos seriais de grandes incorporadoras, como a Tecnisa,
investem hoje nos bons e velhos janelões.
Retomam, portanto, um ponto
de vista de arquitetos modernistas, como Vilanova Artigas (1915-1985), que não
poupou vidros no projeto para a fachada do edifício Louveira (1946), em
Higienópolis. Modelo para uma geração que lapidou investigações sobre conforto
ambiental, esse prédio ficou conhecido pela integração entre os apartamentos e
a praça Vilaboim.
Gorski acha que não há uma
boa explicação para a negação desse passado. "Agora a situação parece ter
melhorado, mas as janelas estavam perdendo espaço, o que contraria a
consciência de preservação do ambiente que existia entre os arquitetos
modernistas."
ENERGIA E PRIVACIDADE
Ele se refere à relação
entre consumo de energia e tamanho das janelas. A equação é óbvia: quanto mais
luz natural, menos necessidade o morador tem de usar luz artificial. "Em
alguns apartamentos, mesmo durante o dia, é preciso acender a lâmpada para
ler", diz. Os neoclássicos, aponta o arquiteto, propagaram erros do
gênero.
O contato com o exterior
também pode reinventar a vida dentro de um apartamento. O administrador de
empresas Carlos Sotelo, 47, comprou, em 2007, uma unidade antiga de frente para
avenida 9 de Julho.
Boa parte de sua escolha,
ele diz, foi determinada pelo tamanho da janela, que tem quase 10 metros de
extensão. "A vista é linda, dá para ver a parte de trás do Masp [Museu de
Arte de São Paulo]."
Ele criou o hábito de fazer
refeições próximo à janela, ou de sentar-se ali para descansar. Quando quer
escurecer a sala, utiliza um blecaute que, em conjunto com as cortinas, custou
R$ 5.000.
A preservação da privacidade
acaba sendo o outro lado da questão.
Em uma comparação com os
moradores de Brasília, o paulistano ainda tem resistência ao contato tão direto
com o ambiente externo, afirma Patrícia Valadares, diretora de projetos da
Tecnisa. "Lá, ninguém vê problema em comprar um apartamento com janelão.
Aqui, as pessoas ainda se preocupam em ter algo que possa escurecer ou isolar o
ambiente", diz.
Essa percepção do mercado,
diz Patrícia, consolidada principalmente por meio de conversas com clientes,
acaba provocando mudanças nos padrões arquitetônicos da cidade.
A principal delas explica
por que em São Paulo, principalmente, os janelões cederam lugar às varandas.
"Nos anos 1980 e 1990, as varandas eram tímidas. Hoje, muitos apartamentos
são projetados a partir e/ou em torno delas", diz Patrícia.
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