Não há um dia em que você não veja um caso como esses’, afirma desembargador do Tribunal paulista, o maior do País
O volume de casos levados à Justiça sobre se a cobrança de taxa de corretagem – cobrada na venda de imóveis na planta – é venda casada ou não cresceu drasticamente em 2014.
Levantamento do iG mostra que o número de decisões sobre o tema no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o maior do País, subiu de 2 em 2012 para 64 neste ano até o último dia 13. Foram levados em conta os acórdãos (decisões tomadas por mais de um magistrado) em que os termos “taxa de corretagem” e “venda casada” surgem no resumo da decisão, chamada de ementa.
“A discussão sobre a taxa de corretagem cresceu de dois anos para cá. Estou [atuando] no segundo grau [Tribunal] há três anos e, quando eu cheguei, essas questões eram raras. Hoje, é regra: não há um dia em que você não veja um caso desses”, afirma o desembargador do TJ-SP Edson Luiz Queiroz, em entrevista ao iG.
Para o magistrado, o crescimento do mercado imobiliário nos últimos dois anos é responsável por essas questões estarem vindo à tona agora.
Em suas decisões, Queiroz afirma que a taxa de corretagem, normalmente paga pelo consumidor ao corretor que o atende nos estandes de vendas das empreiteiras, é indevida.
“A taxa é devida quando o consumidor contrata um corretor para um prestar serviço de corretagem: alguém que sai em busca de um imóvel para ele. Não é o caso.”
“O Código de Defesa do Consumidor proíbe a falta de esclarecimento prévio acerca de uma despesa. Além disso, também proíbe a venda casada, ou seja, a venda de dois produtos quando o consumidor só quer adquirir um. Ele é forçado a contratar esse serviço, quando não foi isso que ele foi buscar”, explica o desembargador.
O engenheiro José de Carvalho Borba Neto, de 56 anos, comprou um imóvel de R$ 597 mil e pagou R$ 36 mil de taxa de corretagem. Ele entrou na Justiça contra a Odebrecht Participações Imobiliárias para obter a quantia de volta e venceu no TJ-SP. O magistrado responsável pelo caso – chamado de relator – considerou a taxa caracteriza venda casada. A empresa ainda pode recorrer da decisão.
“O meu foco era comprar o imóvel. De repente, vem uma lista de dez nomes de pessoas que eles dizem que ajudaram no processo de intermediação. Em nenhum momento eles te explicam isso”, diz Neto.
Polêmica envolve serviço de corretores
“Geralmente, as construtoras pedem que o consumidor pague essa taxa em vários cheques separados. Eles vão para o corretor, o coordenador, o supervisor, o gerente… Esses prestadores de serviços devem receber pelo seu serviço, mas quem deve pagá-los é a empresa que os contratou”, explica o advogado especialista em direito imobiliário Marcelo Tapai.
Ele afirma que, segundo artigo 722 do Código Civil, o corretor é um indivíduo que aproxima as partes interessadas, mas não tem vinculação direta com nenhuma delas.
“Nesse tipo de negócio, a corretagem não existe. O que existe é uma venda direta. O consumidor sequer pode escolher quem vai atendê-lo. Mesmo que haja um corretor realizando a venda, essa pessoa tem vinculação direta com a empresa.”
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O Procon-SP se posiciona da mesma maneira.
“O consumidor não vai até o estande para procurar um serviço de corretagem. Ele vai até lá para comprar um imóvel. Ele mesmo procurou e achou aquele local e nem sabe se quem o atende é mesmo um corretor”, diz Marta Aur, assessora técnica.
O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP), José Augusto Viana Neto, contesta.
“O corretor tem o mesmo vínculo com o vendedor e com o comprador. Ele presta serviço para os dois e tem a mesma responsabilidade civil e criminal perante ambos”, afirma.
Para o Creci-SP, não importa se a remuneração do corretor é paga pela construtora ou pelo comprador.
“Se estiver esclarecido no anúncio do imóvel que a remuneração é paga por quem compra, não é inconveniente. Não configura venda casada. O que não permitimos é que a pessoa feche o negócio sem essa informação”, diz Neto.
O órgão regulador dos corretores abriu, no dia 4 deste mês, consulta pública para regulamentar o direito à informação do público quanto ao pagamento de honorários aos profissionais de corretagem imobiliária. As contribuições podem ser feitas até 3 de dezembro para o e-mail diretoria@crecisp.gov.br.
Proibida, taxa de corretagem seria embutida no preço de venda
Entre os argumentos de quem defende a cobrança da taxa de corretagem está a afirmação de que esse valor já estaria, de uma forma ou de outra, embutido no preço de venda do imóvel.
É dessa forma que se posiciona o Secovi-SP, maior sindicato do mercado imobiliário da América Latina.
“O comprador não tem prejuízo se ele souber o que está pagando. Ele arcaria com esse custo direta ou indiretamente, pois a outra forma de pagá-lo seria diretamente ao vendedor, que repassaria o valor para o corretor. Dessa forma, haveria uma cobrança de pagamento em cadeia e o custo poderia ser maior”, afirma Claudia Marzagão, coordenadora jurídica da vice-presidência de Comercialização e Marketing da instituição.
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Ela afirma que a ideia de que o consumidor é prejudicado com o pagamento desse serviço é fantasiosa.
“Não pode haver oferta pública de imóveis sem corretor. É algo bilateral, já que comprador e vendedor se aproveitam do serviço de corretagem. Quem vai pagá-lo é estipulado caso a caso.”
Cláusulas contratuais devem ser transparentes
A questão abre espaço para uma outra: o pagamento da taxa de corretagem é permitido se estiver previsto em contrato?
“Essa é uma questão delicada. É aí que entra o esclarecimento prévio do consumidor, porque ele é um leigo e precisa ser informado acerca da contratação”, explica Queiroz, o desembargador do TJ-SP.
O magistrado afirma que esse é um dos pontos que “balança suas convicções”.
“No início da minha carreira, eu aceitava a inclusão em contrato como válida. O que me fez mudar de ideia é a forma como essa contratação é feita.”
Queiroz afirma que o consumidor, leigo, não lê o contrato e suas cláusulas com profundidade.
“É preciso o mínimo de formação jurídica para entender, muitas vezes as pessoas não entendem o que contrataram e são pegas de surpresa”, diz.
Para o desembargador João Francisco Moreira Viegas, também do TJ-SP, a taxa é devida se a cláusula contratual for clara.
“Eu entendo que, se o contrato traz de maneira clara que o encargo é do consumidor, pode ser transferido a ele.”
Mas há ressalvas. Segundo Viegas, para isso, além da transparência, o corretor não pode fazer parte do mesmo grupo econômico que o vendedor do imóvel.
“Se eles integram o mesmo grupo e se o pagamento da taxa for condição de venda, isso configura venda casada”, diz.
No caso do contrato de aquisição do imóvel do engenheiro José Neto, havia uma cláusula em que a construtora se eximia de qualquer vínculo com os profissionais de corretagem.
O técnico de informática Neiri Gomes de Morais, de 49 anos, comprou um imóvel de R$ 415 mil em novembro de 2012. A construtora pediu que ele desse uma entrada de R$ 28 mil para a compra. Meses depois, quando Morais viu o extrato do seu pagamento, descobriu que apenas R$ 5 mil foram abatidos do valor do imóvel: R$ 23 mil eram valores de corretagem.
“Depois que tive acesso a essa informação e procurei um escritório de advocacia, descobri que havia uma cláusula no contrato que repassava essa dívida para mim. Eu entrei no estande de venda às 16h e saí às 23h. Você acha que eu, leigo e cansado, me atentaria a esses detalhes? Não há tempo para assessoria jurídica na hora de fechar o negócio”, diz o consumidor.
Ressarcimento do valor pode vir em dobro
O desembargador Viegas afirma que, quando é comprovado o ato de má-fé da empresa que comercializa os imóveis, os consumidores podem ter o valor da multa ressarcido em dobro. Eles também podem pedir indenização por danos morais.
“As construtoras já devem estar percebendo que a posição do Tribunal de Justiça é contra isso, invalidando a cobrança e caracterizando danos morais e a devolução do valor em dobro por ser quebra do princípio da boa fé e danos morais”, explica.
A Turma de Uniformização dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo – que funciona como uma espécie de tribunal dos juizados, onde tramitam causas de até 40 salários mínimos -, no entanto, publicou uma decisão, em julho deste ano, a favor do que chama “cobrança apartada de comissão”.
O relator, juiz Fernão Borba Franco concluiu que “a comisão de coretagem se inclui entre os custos da operação e pode ser exigida do comprador” e que, por isso, não há venda casada.
“A diferença entre a atribuição direta e a inclusão desses custos no preço final é apenas fiscal e empresarial, pois em ambos os casos o comprador acabará por arcar com o custo respectivo”, escreveu o juiz.
Já no TJ-SP, segundo o desembargador Queiroz, a questão está dividida.
“Há leve tendência de consolidação da ilegalidade dessa cobrança. Eu diria que a diferença é 60% a 40%”, comenta.
Para Claudia, do Secovi-SP, o ressarcimento afeta todo o sistema.
“Se a construtora tiver de devolver em dobro o valor dessa taxa, ela vai embutir um valor maior no preço da venda. Quem sai penalizado é o comprador.”
STJ ainda não se posicionou sobre o tema
Em agosto de 2013, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou recurso especial de uma incorporadora para que uma das decisões sobre taxa de corretagem em que ela era ré fosse revista no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A incorporadora pediu que o STJ revisse a decisão do Tribunal que ia contra ela, mas o STJ, em decisão monocrática do ex-ministro Sidnei Beneti, não admitiu a subida do recurso.
Beneti explica que apenas se tivesse havido julgamento pelo colegiado da Terceira Turma do STJ é que se teria precedente substancial no Tribunal sobre se a taxa de corretagem é devida e, caso não, se há direito à devolução do valor cobrado em dobro.
“Não se pode concluir tenha se formado jurisprudência do STJ, de modo que os temas envolvidos ainda podem ser sujeitos a debate de jurisprudência”, afirma o ex-ministro.
Empreiteiras veem cobrança de taxa como legal
Em nota, a Odebrecht Realizações Imobiliárias (OR) informou que “segue a orientação majoritária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre a legitimidade da cobrança da taxa de corretagem.”
A empresa informa que as cláusulas contratuais preveem, de forma expressa, que as despesas de corretagem ou intermediação são pagas pelo comprador do imóvel e que não vende imóveis diretamente, nem tem empresa coligada de intermediação para esta finalidade.
“Por isso, os compradores celebram contratos de corretagem com os corretores que os atendem nos estandes de venda. Assim, o pagamento da comissão de corretagem é realizado pelo comprador diretamente ao corretor, sendo certo que tais valores não são recebidos pela Incorporadora, nem integram o preço do imóvel”, afirmou a Odebrecht.
A corretora Lopes, também em nota, afirmou que o consumidor não paga nenhum valor a mais do que o preço total do imóvel anunciado, que já inclui a corretagem, contrato acessório à compra e venda de imóveis em larga escala.
Por Bárbara Libório
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